sábado, 26 de março de 2016

O "Abraço" de Neil Gaiman


Sua reputação o precede” faz muito sentido quando alguém se refere a Neil Gaiman em uma roda de amigos ou em algum lugar qualquer deste vasto mundo digital. Quase todo mundo já ouviu falar em seu nome ou suas histórias, e este simpático escritor e roteirista inglês já deixou com certeza a sua marca no mundo para sempre, seja em seus romances, quadrinhos ou roteiros para TV. 

Com um senso de humor sombrio e uma sensibilidade ímpar, não raro nos encontramos sentados a contemplar o nada, perdidos em nosso próprio ser, após a leitura de uma simples frase ou ideia saída da mente singular de alguém que tem o dom incrível de, ao mencionar uma simples história, nos levar por mundos nunca antes imaginados ou nos jogar em um sentimento de melancolia infindável e esclarecedora ao percebermos coisas que passaram completamente despercebidas em nossa vida, mas que hoje possuem um impacto gigantesco em quem nós somos, ou algo que sabemos, mas que precisamos que alguém nos diga, pois ficamos muito velhos e muito ocupados para lembrar. 

Gaiman é muito famoso no mundo dos quadrinhos pelo massivo clássico Sandman, obra gigantesca e profunda que tomou grande parte de sua vida e dedicação nesta mídia. No entanto, não estamos aqui hoje para citar Sandman, gigante em muitos sentidos, mas sim algo muito mais modesto, porém não menos genial. 


No início de sua parceria com a DC Comics, Gaiman escreveu várias histórias curtas para a editora, algumas das quais compiladas alguns anos atrás e lançadas em edição especial pela Panini Books em 2013. Estamos falando de Dias de Meia-Noite. Neste encadernado, encontramos seis histórias escritas pelo autor em suas ocasionais folgas das edições mensais de Sandman, que basicamente ocorriam em horários aleatórios em suas madrugadas – daí o título. Algumas bastante triviais, embora, segundo o próprio Gaiman, uma delas “ainda seja uma das melhores coisas que já escrevi”. Esta uma em questão é uma história de Hellbazer, com ilustrações de Dave MacKean, intitulada Abraço.

AbraçoHold me, no original – é uma história de fantasma. Ponto. Simples assim. Um morador de rua de Londres, que morreu devido ao frio, volta para assombrar o mundo dos vivos. John Constantine está perdido em meio ao seu próprio caos solitário enquanto tenta achar companhia no caos solitário de Londres e acaba se deparando com o espírito vagante, que já causou boa dose de pânico em sua breve carreira como fantasma. No entanto, não são as divagações filosóficas de Constantine sobre sua própria condição, ou o ambiente sempre soturno de Londres, ou a relação entre os personagens e a complexa trama que tornam este pequeno conto tão genial e sensível, ainda que estes sejam pontos positivos na trama, o que a torna especial é a sua simplicidade e, acima de tudo, o seu desfecho. 

A resolução para o “problema do fantasma” é algo que só poderia ter saído de uma mente tão sensível quanto a de Gaiman, e me fez repensar todas essas histórias de fantasma com as quais temos contato hoje em livros e em Hollywood, onde tudo é escabroso e assustador, com criaturas horríveis, implacáveis e impiedosas. Abraço é algo assustadoramente sutil e humano, ligeiramente tolo, e é isso que o torna único. 

Digo “tolo” pois eu fui tolo por não prever este final, você será, todos somos. A resposta é tão óbvia que escapa entre os nossos dedos, mas é, com toda certeza, uma das histórias de fantasmas mais bonitas que eu já li, e uma das minhas favoritas do autor. E eu estou falando de uma história de 24 páginas!

O material completo de Dias de Meia-Noite também digno de nota, mas estas 24 páginas já valem todo o encadernado, pois tenho certeza que, ao fim, você vai se pegar pensando sobre fantasmas e solidão. E isto é algo admirável que Neil Gaiman faz contigo. Ele te faz pensar.


Um comentário:

  1. Essa história é simplesmente sublime. Gaiman é sempre encantador, seja em sua melancolia ou mesmo solidão. Ele tem o dom de nos fazer ver o quanto o escuro ainda é assustador, mas pode ser tão bonito.
    Sobre o final, nem eu imaginei o que poderia acontecer, mas me deixou sem palavras.
    Gaiman, como sempre, é maravilhoso.

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